Flavio Cruz

A carta de motorista de "Jesús"

Martim era o policial e Jesús era o mexicano com a carta de motorista vencida. Jesús era um bom motorista, jamais fazia qualquer coisa errada na direção, todo cuidado era pouco, como se dizia. Até um tempo atrás, tudo era muito fácil e Jesús conseguia sempre renovar sua licença. A partir de um certo momento, no entanto, as coisas começaram a se complicar. Nos Estados Unidos, a turma da direita foi mais para a direita ainda e resolveu apertar, não que Jesús fosse da esquerda... é complicado. Agora, para tirar carta de motorista, Jesús precisava dos “papeles” de imigração e “papeles”, Jesús não tinha não. Não tinha vindo para os EUA com um visto. Guiar, no entanto, ele precisava, pois se não, como iria para o trabalho com esses ônibus que só rodam de duas em duas horas? Além disso, ele precisava levar os filhos e a mulher para lá e para cá. Pois bem, este era o lado de Jesús, e agora temos o lado de Martim. Martim era a lei - um policial de trânsito - e a lei precisava ser cumprida, pois que país seria este, se as leis não existissem? A lei e Jesús poderiam nunca ter se encontrado, pois Martim tinha muito o que fazer e da mesma forma tinha Jesús. Martim, ainda bem, era cristão embora não se chamasse Jesús. Isto não significava que não devesse impor as regras, muito pelo contrário, pois, como diz a própria Bíblia, “devemos dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”. Isto dito, tenho certeza que tanto Martim como Jesús faziam seus papéis de cristãos, pois eram ambos pessoas boas e fiéis. Não sei se foi por acaso ou se foi para testar a palavra da Bíblia, que Martim e Jesús se encontraram e foi tudo por causa de uma lanterna quebrada, pois se isto não fora, jamais teriam cruzado caminho. Quando Jesús viu as luzes piscarem furiosas, azuis e vermelhas, no retrovisor de seu carro, sabia que estava encrencado, sabia que “carta vencida” dá cadeia, e isso era a parte de César que ele teria de pagar. Jesús encostou o carro e esperou. “Documentos do carro, seguro e carta de motorista”, fala o educado policial. Martim, que era crente de verdade, mas que tinha de cumprir a lei e fiscalizá-la também, temia que Jesús talvez não tivesse a carta em ordem. Tinha experiência e quando parou Jesús teve um mau pressentimento. Não deu outra. Jesus tinha a carta, mas estava vencida há mais de um ano. Martim perguntou para Jesús se ele sabia por que ele tinha sido parado. Jesús, honesto que era, disse que desconfiava, mas não tinha certeza. Martim havia parado o carro por causa da lanterna e Jesús achava que era por causa da carta. Tudo isto não importava agora, pois a lanterna nada significava perto de algo tão importante como a habilitação. 
Martim, experiente, como eu havia dito, já pensou nas algemas, pois neste estado, quero dizer “Estado” dos Estados Unidos e não “estado: situação”, dirigir com carta vencida dá cadeia e a lei tinha de ser cumprida. Jesús, como evangélico, sabia que a situação, não o “estado”, era grave e começou a orar em silêncio. Martim sentiu uma tristeza muito grande pelo mexicano, hispano que era também, de Puerto Rico, mas lembrou da história de “dai a César, etc.” ...e decidiu que a lei tinha de ser cumprida. Foi aí que viu a mulher de Jesús no banco de passageiros e seus três filhos pequenos no banco de trás. Todos assustados, como Jesús. A mãe orava e os filhos, a seu jeito, também. Martim, então, pensou naquelas crianças vendo seu pai ser algemado, preso. O carro seria apreendido, confiscado, guinchado. As crianças ficariam na rua junto com a mãe, e o pai seria recolhido. Quem iria sustentar a casa nesses tempos difíceis?  Martim pensou em tudo isso, pensou também que o verdadeiro Jesus não ia gostar muito disso, mas foi ele mesmo que disse que a lei tinha de ser cumprida (“dai a César o que é de César, etc., etc..)  A cabeça de Martim, pela primeira vez, depois que passou a ser um agente da lei,  começou a ficar confusa. Mas o que realmente “pegou” foi a imagem, em sua mente, dos meninos verem seu pai ser algemado. Ficou imaginando seus próprios filhos vendo-o naquela situação, mãos para trás, algemas, entrando no carro de polícia, aquela cena “clássica” de uma mão do policial protegendo a cabeça do “suspeito” ... Como nos filmes. Martim pensou, pensou...O que será que Jesus quis mesmo dizer com aquela história de César? Sempre desconfiou que Ele falou aquilo por falar, só para deixar o pessoal do César sem saber o que fazer e parar de falar que Jesus era contra o sistema, mas na verdade era para dar tudo para Deus, porque, afinal tudo era dele mesmo.  De uma coisa ele tinha certeza, repito, Jesus não iria gostar nada de ver o outro Jesús sendo algemado na frente dos filhos... pois somos todos irmãos e um irmão deve amar outro irmão e quem ama não faz isso não. Martim então decidiu. Devolveu a carta para Jesús, falou para ele renová-la e consertar a lanterna. Ele sabia que consertar a lanterna era fácil, mas renovar a licença, bem, isso não dava para renovar, mas o importante era que Jesús não ia ser algemado na frente dos filhos. Se ele estivesse sozinho, talvez. Imagina, algemar Jesús na frente dos filhos... esse César não está com nada, apesar de ter de tudo. Jesús deu partida no carro novamente, agradecendo ao verdadeiro e divino Jesus a grande graça recebida, e a esposa seguiu orando mais ainda, agradecendo o milagre. As crianças não entenderam nada mas sabiam que algo importante tinha acontecido e que o pai era alguém de relevo e que sabia falar com a polícia - será que tinha aprendido inglês? -  e tudo mais... Martim? Martim não sentiu culpa nenhuma, ao contrário, foi envolvido por uma paz jamais antes sentida, sentiu que tinha conseguido uma nesguinha do céu para si e para sua família.
Graças a Deus que ainda se fazem alguns policiais com o verdadeiro espírito bíblico...

Todos los derechos pertenecen a su autor. Ha sido publicado en e-Stories.org a solicitud de Flavio Cruz.
Publicado en e-Stories.org el 14.03.2015.

 
 

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