Flavio Cruz

A casa de vidro

A casa de vidro

 

Doutor Erin tinha saído mais cedo do consultório. Tinha concordado em fazer uma visita domiciliar, algo que nenhum médico mais fazia. Afinal de contas tinha mudado para aquela zona inóspita do estado, onde algumas concessões eram necessárias. Bem lá no fundo, na verdade, tinha sido dominado por uma vontade premente de conhecer aquela parte estranha da cidade para onde pouca gente ia. Cidade? Aquilo era muito mais campo, ou rural, do que qualquer outra região que ele tinha visto. Outra motivação era o tédio do dia a dia, o mesmo tipo de gente, o mesmo tipo de tudo.

E lá estava ele, naquela estrada remota, com um arremedo de asfalto, vendo a mesma paisagem por mais de meia hora. Uma vegetação baixa, um terreno plano que nunca terminava. Não tinha passado ainda por nenhum carro. Provavelmente não encontraria nenhum Alguém já tinha comentado que, às vezes, passavam-se dois dias sem nenhum veículo circulando por aí. Pelas instruções que tinha recebido, em cinco minutos veria um pequeno sinal de madeira com a inscrição “Sítio da Linda”. Deveria virar á direita, numa estrada tosca, estreita, e seguir mais dois quilômetros. Aquela quase viela já fazia parte do sítio, como, com orgulho, a dona Linda tinha explicado.

Estava olhando atentamente para o lado direito, procurando pela indicação, quando notou um barulho vindo da frente do carro. Não gostou nada daquilo. Naquele lugar, problema mecânico não seria um simples problema mecânico. As mais diversas ideias passaram por sua cabeça. Uma delas era que por ali celular não funcionava, como dona Linda muito bem tinha frisado.

E aconteceu o pior. O carro parou de vez. Fez um último ruído estranho e não funcionou mais. Doutor Erin começou  a repetir para si mesmo: sem pânico, sem pânico, sempre há uma solução. Mesmo sabendo que por ali não passaria alma viva por um bom tempo, olhou para os dois lados na esperança de ver algo ou alguma pessoa. Um verdadeiro deserto de paisagem humana.

Sentou-se no banco do carro, porta aberta, pernas para fora. Suspirou e ficou se xingando por alguns segundos. Quanta estupidez! Não tinha ninguém para culpar a não ser a si mesmo! Levantou-se, andou uns dez metros para frente e outros tantos para trás. Olhou para a imensidão de arbustos de ambos os lados do caminho e era tudo igual. Cobriu o rosto com as mãos e lançou xingamentos contra si, mais uma vez.

Por entre os dedos da mão que cobria seu rosto, de repente pareceu ver um clarão, um brilho. Olhou atentamente para a direção de onde tinha vindo a luz, mas ela não estava mais lá. Ficou desconsolado com o roubo da pouca esperança que tinha construído em sua mente. Foi então que notou uma suave brisa e, com ela, um movimento das plantas. Percebeu que, de acordo com seu movimento, podia ver, às vezes, o reflexo e de onde ele vinha.

Sem alternativa, resolveu caminhar naquela direção. A vegetação não era espessa e ele foi avançando rápido rumo ao objetivo. Eram cerca de 2 quilômetros e, aos poucos, a imagem foi ficando mais clara. Deu os últimos passos e, com o coração aos pulos, lá estava. Era uma casa de vidro. A vegetação a sua volta refletia-se nas paredes e por isso era difícil vê-la de longe. Isso só era possível quando algum raio de luz atingia suas paredes e refletia em alguma direção. Por uns momentos Erin se esqueceu de seus problemas. Aquilo era algo muito estranho. Certamente nunca tinha visto nada igual. Embora seu pensamento lógico estivesse lhe dizendo que havia alguma explicação, seu instinto estava lhe transmitindo muito medo.

Ali, no meio do nada, uma construção completamente feita de vidro, sem acesso, sem calçada, sem portas ou janelas?

Depois de alguns minutos andando ao redor,  ficou claro que não havia nenhum porto de entrada. Resolveu então aproximar-se da parede que parecia ser a principal, a frente da construção. Encostou nela as palmas das mãos e viu que era muito fria. Com cuidado encostou seus olhos no vidro. Teve um choque.

Dentro, tudo parecia ter o aspecto de uma casa normal. Havia móveis, tapetes, quadros nas paredes internas, embora essas fossem de vidro também. Ficou mais assustado ainda quando viu que havia pessoas lá dentro. Uma mulher andava pela sala recolhendo almofadas e outros objetos do chão. Arrumou, com muito cuidado, tudo que havia juntado e estava colocando cada peça de volta em seu lugar. Foi então que dois garotos de cerca de 5 anos saíram por uma porta interna e correram até ela. Perguntaram algo e ela respondeu. Eles bateram palmas como se tivessem recebido uma boa notícia e voltaram alegres para o quarto de onde tinham saído. Foi então que um homem saiu de um outro aposento, chegou na sala, deu um beijo na mulher e voltou para o lugar de onde tinha saído. Ela, finalmente, resolveu sentar-se no sofá. Pôs as mãos atrás da cabeça e parecia estar relaxando.

Erin achou que tinha de fazer algo. Bateu com os dois punhos, com toda a força que tinha, na parede. Começou a berrar. A mulher continuava completamente indiferente. Obviamente não estava ouvindo ou vendo nada. Erin procurou algo mais sólido a sua volta para usar. Achou uma pedra quase do tamanho de sua mão. Golpeou violentamente o vidro. Nada. O material parecia ser completamente indestrutível. Olhou novamente para dentro da sala. Agora os dois estavam sentados, lado a lado, conversando. Uma das crianças brincava no tapete. Tentou mais uma vez gritar. Nada.

Desistiu. Sentou-se na grama, colocou a cabeça para trás. Estava muito cansado, seu corpo todo doía. Fechou os olhos por alguns instantes, tentando não pensar em nada.

Quanto tempo havia passado? Não saberia dizer.

Estava quase adormecido, quando ouviu um som suave, quase como se fosse uma brisa passando pelos seus ouvidos. Olhou para trás e viu que uma espécie de abertura oval se abriu . Vinha luz lá de dentro. Caminhou com cuidado e entrou. As pessoas que tinha visto não estavam mais lá. Ouviu, no entanto, uma voz de mulher vindo de outro cômodo. Parecia de alguém que conhecia. Sentiu então um calafrio. Claro que conhecia. Era a voz de sua esposa que tinha falecido há alguns anos.

Pensou em ir lá ver se a encontrava, mas ele  estava tão leve que parecia nem ter corpo. Uma paz que nunca tinha experimentado antes, envolveu todo seu ser. E uma felicidade tão forte, tão insistente, que não conseguia descrever. Já não se lembrava mais do carro, da paciente, de seu consultório, de sua vida, de nada.

E Erin viu que aquilo era bom. Erin não queria sair dali, não queria saber de mais anda.

Erin estava feliz, nunca mais iria voltar.

Todos los derechos pertenecen a su autor. Ha sido publicado en e-Stories.org a solicitud de Flavio Cruz.
Publicado en e-Stories.org el 04.07.2021.

 
 

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