Flavio Cruz

Uma máquina de escrever

Outro dia vi, num depósito, uma velha máquina de escrever. Uma Remington. Ainda tinha uma folha branca de papel enrolada em seu cilindro. A folha branca não era mais branca, era amarelada. Foi o tempo, o tempo cruel. Esse mesmo tempo que impiedosamente acabou com sua utilidade, que a aposentou. Estava coberta de pó, coitada. Aposto que fazia anos que ninguém batia em suas teclas. Os dedos agora estão ocupados com outras máquinas. Poderosas, velozes, inteligentes. Adivinham o que você vai escrever, sabem o que você está pensando. São arrogantes. Imaginem só, corrigem você, querem dizer o que você quer escrever. Se você não tomar cuidado, roubam o seu pensamento e o colocam no ar. Sem saber, você se torna vítima de curiosos e inescrupulosos.

Eu tive uma vez uma máquina de escrever, moderna para a época. Era fraquinha, no entanto. Às vezes eu precisava consertar suas teclas. Era uma delicadeza, mas conseguia escrever tudo o que eu queria. Tinha até tinta vermelha, que era para realçar os meus pensamentos. Seu nome era Manuela. Coitadinha, era fraquinha a minha Manuela. Ela desapareceu, nem me lembro como. Nem de longe se parecia com a Remington do depósito.

Cheguei mais perto e examinei o papel que, teimoso, permanecera ali anos a fio. Para minha surpresa, havia algo escrito. Cheguei bem  perto e li: “Querida Consuelo”. Mais nada. Fiquei imaginando o coitado do remetente com aquela dúvida cruel. O que falar, a seguir? Dizer que a amava? Talvez fosse apenas uma parente, talvez fosse apenas uma conhecida. Acho que não. Por que teria escrito “Querida”, então? Será que alguém o chamou e ele teve de sair? Por que não continuou depois? Nunca vamos saber. Uma carta inacabada. Pior, mal começada. A Consuelo também nunca ficou sabendo que alguém a chamou de “querida”. Talvez ela estivesse precisando. Sabe, mesmo quando é mentira, é bom alguém chamar você de ”querida”. Talvez a carta fosse uma grande revelação, uma coisa que iria mudar a vida da Consuelo. Que diabos, por que ele não terminou a carta? Nunca vamos saber.

Cheguei mais perto e me deu uma tristeza. Uma sensação de coisa mal resolvida. De repente, não me contive e comecei a teclar:

“Tenho muitas saudades de você. Por que você não volta? Do grande amor de sua vida.

Um desconhecido.”

Eu sei que foi uma mensagem idiota, mas ninguém vai ler mesmo.

Dei uma última olhada para a Remington, me lembrei da Manuela, fechei a porta e nunca mais a vi. Me arrependi, ao invés de “um desconhecido”, deveria ter escrito “Manuel”. 

Quem sabe, uma outra vez...

Todos los derechos pertenecen a su autor. Ha sido publicado en e-Stories.org a solicitud de Flavio Cruz.
Publicado en e-Stories.org el 24.03.2017.

 
 

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